quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

UM CONTO DE NATAL



noite fria, virada de natal, numa pior, carente mesmo, pra quê mentir? Onze e pouco da noite, os disparos de natal, sabe aqueles fogos que formam coroas de luz no céu e nos fazem sentir pequeninos de alma?
aluga-se um corpo, vende-se, doa-se, também um coração, um cérebro, uma alma, tudo que há de doce, largo e generoso em mim, trago devagarinho no balcão do bar a solidão enevoante do meu cigarro, do outro lado da densa névoa, a figura deliquente de um anjo que me sorri, uma toca vermelha sobre a cabeça, olhinhos graúdos e brilhantes, um par de brincos em cada orelha, tão só e tão lindo, esses tipos marginais que escapam furtivamente das páginas de Caio Fernando Abreu, fico então imaginando ele enroscadinho em meus braços, tão quentinho, como o SENHOR na manjedoura, meu pequeno amante,
ai de mim que me esfaqueio a todo instante,
II

vou sentar a sua mesa, não pergunto de pronto o seu nome que é pra não borrar a noite com meu batom de amante, mais tarde vai se chamar Antônio, conforme me jurou virando-me com força de costas pra parede:
“ mas assim, em pé, querido?”
“não gostas?”
um gesto evasivo na direção do colchonete sobre o chão frio de madeira, me atira de bruços sobre a cama, agora seu peso leve de anjo, sua respiração ofegante sobre minha nuca, me morde todo o corpo, o safadinho, “calma apressado, antes era tão carinhoso, agora tão afoito que me dá até medo”, “é que o dia...” “que tem o dia?” “Já vem e eu tenho que ir trabalhar”, eu que não sou bobo nem nada, sei que não se trabalha no natal, mas me calo como se calam as rosas, vai se agasalhando mais e mais dentro de mim, estocadas que me levam ao céu, pra juntinho de Deus.
beija-me a entradinha antes de esfolar-me a fenda negra que se abre como um trevo de cinco pontas.
agora eu era dele e ele não era meu...
Manaus 7 de janeiro de 20010

quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

O NATAL



Eu e Selminha resolvemos passar o natal juntas, em casa. Foi até bom, pois que o natal me soa muito triste e muito falso.
Pela manhã fomos juntas a um supermercado e compramos umas coisinhas para a nossa ceia particular. No natal, adoro comer rabanadas, é a minha iguaria natalina predileta, desde muito pequeno, e Selminha prometeu que iria me ensinar a fazer. Nunca aprendi a fazer coisíssima nenhuma, pois que minha mãe, quando viva, nunca me deixou aproximar da cozinha ou fazer alguma coisa. Lembro vivamente: ficava de longe, escondidinha, ás vezes, como quem não quer nada, apreciando minha mãe preparar as coisas para a ceia ou a qualquer outra eventualidade festiva que se fazia em casa. “Você é o homenzinho da casa, e seu lugar de homem não é na cozinha. Vai ajudar seu pai!” ela me dizia. Não me era permitido sequer lavar meu próprio prato após as refeições. Nunca entendi o porquê daquilo. Mas enfim, cresci sem aprender cozinhar ou me virar nas tarefas domésticas. Só agora, vivendo sem a sua presença, é que vim aprender de fato a cozinhar, graças a Selminha que tem uma paciência de anjo. Na sua ausência - pois que o seu trabalho consome uma metade do dia - sou eu que preparo o almoço, deixo tudo arrumadinho em casa, e parto para a escola onde desempenho minha função de professora há quinze anos. Se um dia Selminha me faltar também, ao menos eu saberei me virar perfeitamente.
Esse breve pensamento me veio justamente hoje, no dia de natal, enquanto fazíamos as compras. Paramos em frente a uma prateleira de vinhos, e de pronto acordo, escolhemos juntas um Barolo Safra 90, recomendado por mim. Esta minha afeição por vinhos, atribuo ao gosto pela vida. A vida é como um bom vinho, deve-se degustar milimetricamente.
Ao sairmos do supermercado, passamos numa locadora e escolhemos também um filmizinho para nos distrair, pois que ficar na frente da TV assistindo o especial do Roberto Carlos, ou todos esses programas insuportáveis que passam na noite de natal, não condiz com nossa espiritualidade e bom senso natalino. Nesse ponto, eu e Selminha combinamos tão bem.
Em casa, sozinhas e ao som de “L´amour Est Bleu” do Paul Muriat, e outras cançõeszinhas francesas que adoro ouvir, fomos pra cozinha e botamos a mão na massa. Selminha, além das rabanadas, ensinou-me também a fazer uma deliciosa torta de morango, salpicão, saladinha fria, e um simples e delicioso sorvete de cupuaçu. À noite, montei-me direitinho, estreando um vestidinho azul meia taça e um saltinho preto. Selminha também estava linda com um vestidinho preto bem justo, que juntas havíamos escolhido para aquela noite. Não esperamos o relógio anunciar meia noite para darmos inicio a nossa pequena celebração particular, como reza a tradição, de modo que nos servimos do vinho e o fomos degustando devagar, enquanto assistíamos um clássico do Fritz Lang chamado “O Diabo Feito Mulher”. Marlene Dietrich estava impecável e sedutora nesse filme. Acho que bem mais que o “Anjo Azul.” Morro de amores por Marlene Dietrich. Na outra encarnação, virei pecadoramente linda, como Marlene Dietrich.
Depois, fui até a varanda com meu copo de vinho, e vi a cidade lá embaixo piscando suas luzes natalinas. As ruas desertas e frias. Os vizinhos aos arredores já haviam partido para a casa de seus familiares, de maneira que me pus livremente na sacada a desfilar para lá e para cá. Alguns fogos já começavam a explodir timidamente nos céus da minha cidade. Eu via suas luzes e sua tristeza. Sua alegria e sua ausência. Minha cidade ás vezes me parece assim: alegre e triste. Presente e ausente. Tudo ao mesmo tempo. Ela reflete o que eu sou. Ih, acho que é o vinho ou a música invisível que ouço tocar agora bem lá dentro de mim. Uma música doce e triste de natal. Selminha aproximou-se, pegou-me pela cintura e começamos a dançar a tal música invisível na sacada. Os fogos explodiam afoitos cada vez mais acima de nós, colorindo todo o céu. Senti falta da minha mãe. Era o meu primeiro natal sem ela. Sem o aconchego de seu útero materno. Encostei docemente minha face na face de Selminha e perguntei a ela se um dia teria coragem de me deixar e viver sua vida longe de mim. Ela não me respondeu. Eu em seu lugar também não saberia responder. A verdade é que 2009 estava se acabando, e 2009 foi sem dúvida um ano de decisões e revelações, em que eu finalmente tive a coragem de assumir o que eu sou para ser feliz de verdade...
Manaus 28/12/2009

domingo, 20 de dezembro de 2009

A TATUAGEM


Só agora, aos trinta e poucos anos, depois da morte de minha mãe, é que decidi usar uma tatuagem. Sempre fui louca por tatuagens, e sentia imensa inveja quando eu via amigas e colegas meus, tatuados. Só que nunca pude usar por respeito aos meus pais – mas precisamente por minha mãe que nunca aprovou a idéia. “Coisa de vagabundo, meu filho!” Era o que ela alegava, e eu, é claro, acatava por respeito a ela. Mesmo depois de estar trabalhando, de ter assumido de certa maneira minha independência financeira, nunca pude usar, sequer mencionar a idéia de vir um dia usar uma tatuagem. Era o mesmo que dizer a ela que um dia possuiria uma moto. Era o mesmo que matá-la por dentro. E vê-la sofrer, era tudo que eu menos queria. Por isso, respeitei a sua decisão, até este ano, quando ela veio a falecer em 22 de setembro. Não vou mentir que me sinto hoje, depois de seu desaparecimento, absolutamente feliz e livre. Nunca se é feliz quando se perde alguém que se ama profundamente. Tampouco se é livre, pois que liberdade, segundo o filósofo Sartre, não existe. Mas me permito realizar conscientemente, as coisas que sempre quis fazer. Como por exemplo, usar finalmente uma tatuagem. E foi isso que fiz, além de assumir meu lado feminino. A moto, ainda não sei, quem sabe um dia...
A sensação provocada pelas agulhinhas mergulhando na tua carne, é uma sensação gostosa, embora dolorida. Uma dorzinha que se prolongou por meia hora, o tempo que durou o trabalho. Nesse intervalo, para me distrair e esquecer um pouco a dorzinha incômoda, tentei conversar com o tatuador, um moreno bem simpático, porém, fechado e econômico nas palavras. O que tornou nossa conversa um tanto trivial, monologada, mas que de certa maneira, ajudou o tempo passar rápido e superar as dorzinhas inconvenientes da agulha. Finalmente olhei no espelho e vi em minhas costas, a figura de uma linda borboleta sobrevoando a inicial do meu nome “M”. Foi o desenho que escolhi. Nada chamativo, monumental, mas algo bem discreto e sensível, como essa garota o é.
Saí do estúdio saltitante e feliz, debaixo de uma chuvinha fina e alegre de dezembro. Tornara-me uma criança tola que acabara de ganhar um doce ou um brinquedo novo. Mas era uma tatuagem que eu havia finalmente decidido usar: minha primeira tatuagem. Uma experiência nova que estou certa que nunca vou esquecer...


Manaus 18 de setembro de 2009

sábado, 19 de dezembro de 2009

OUTRA DICA DA MINHA VIDEOTECA


A ROSA PÚRPURA DO CAIRO – Woody Allen

Um outro filme que indico, é a Rosa Púrpura do Cairo, do cineasta Woody Allen.
Um filme surrealista e romântico que conta a história de um personagem que sai das telas de cinema e arrebata o coração de uma mulher que naquele momento assiste ao filme.
A Rosa Púrpura do Cairo rompe com as convenções cinematográficas e cria uma fabula mágica e romântica.
Um filme engraçado e com toda certeza vai arrancar lágrimas de quem o assistir.

É isso aí!!


BEIJOS!!!

DICAS DA MINHA VIDEOTECA




O PROCESSO DE JOANA D´ARC (Robert Bresson)

Bresson, um dos contemporâneos do Passolini e de outros cineastas docemente malditos, foi um desses diretores que adoravam mexer nas feridas abertas da Igreja. O filme “O Processo de Joana D´arc”, é uma de suas obras primas, onde reconstitui com brilhantismo, a prisão, o julgamento e a execução de Joana D´arc, baseando-se nos autos do processo.
O filme é sintético, estranho, diferente, onde o que prevalece são as imagens e a rica linguagem dos personagens. É um filme que mexe com você e o faz refletir acerca das muitas injustiças que a Igreja cometeu contra o ser humano. Um filme cabeça e que vale à pena assistir.

CROSSDRESSERS NAS NOVELAS


Cada vez mais o universo crossdressers vem ganhando espaço nas telinhas da TV, especialmente nas novelas do plim plim ou de outros canais também. O exemplo mais recente é na novela “Caras e Bocas”, e em uma outra novela da Record, cujo nome não me recordo agora. Mas, enfim, o surgimento desses personagens, entre aspas, nas teledramaturgias brasileiras, não vem de hoje, é claro. Uma outra novela - não muita antiga - chamada “Chocolate com Pimenta”, já tinha abordado este tema. Não o universo crossdresser em sua essência, como fazem até hoje essas novelas atuais, mas meros homens travestido de mulher, tentando escapar de alguma situação comprometedora, ou então tentando aproximar-se de alguma mulher com o objetivo de conquistá-la. Como é o exemplo dessas duas novelas que citei no inicio e que venho acompanhando esporadicamente. No caso da novela “Chocolate com Pimenta”, o crossdresser adolescente ali protagonizado, tentava fugir de uma condição feminina que lhe foi imposta desde pequeno. Outro requisito básico ao se retratar o universo crossdresser.
Em outras ocasiões também ocorridas nas novelinhas ou seriados do plim plim, e que eu tive o desprazer de ver e acompanhar, foram crossdressers fazendo pequenos papéis onde eram ridicularizados ou tratados com ironia. Em síntese, o crossdresser ainda não foi tratado com seriedade e respeito nas teledramaturgias brasileiras. Ainda não houve uma novela, seriado ou filme que abordasse com relevância este tema. Penso eu que tampouco isso venha ocorrer, pois que este tema, tratado como deveria ser, causaria muita polêmica e ranger de dentes, como aconteceu quando o homossexualismo foi abordado a primeira vez na televisão. Hoje, algo trivial e corriqueiro. Aparentemente aceitável pela sociedade. Mas um homem travestido de mulher, assumindo sua condição feminina, e vivendo livremente numa sociedade, ainda é, ao meu ver, um assunto longe de ser abordado.
Dentro ou fora das telas, o crossdresser, o travesti, o homossexual, etc, ainda é encarado como um pária da sociedade; um ser promíscuo, libertino, alienado. Um viadinho sem vergonha, é assim como somos vistos, e não adianta dizer que não; que há uma certa tolerância das pessoas com as quais convivemos cotidianamente. Elas podem até não se meter na tua vida, criticar de imediato a tua conduta e a tua escolha, mas por trás estão te condenando, te crucificando, rindo de você. Essas mesmas pessoas que vão á Igreja nos domingos, que tem o mesmo nível intelectual que o seu, emprego, família, enfim, uma vida relativamente saudável e decente.
Outro dia, conversando com um velho amigo dos tempos de faculdade, hoje professor de filosofia na escola onde trabalho, surpreendi-me com um infeliz comentário seu em que ele dizia que o homossexualismo é uma praga e que essa raça deveria desaparecer do planeta. Cogitei nervosamente que tratava-se de uma brincadeira, mas ele foi taxativo em repetir o que havia afirmado. Nem procurei saber o porquê, seria perda de tempo. Deixe-o sozinho à mesa e fui juntar-se com outros conhecidos meus. São essas coisas que me entristecem, sabe. Não quero aqui levantar alguma bandeira que já foi levantada. Mas queria na verdade que bem lá no fundo, as pessoas se conscientizassem que o homossexualismo não é alguma praga. Um pecado ou disfunção da sexualidade como alguns especialistas afirmam. Mas uma escolha. Uma opção de vida.
O crossdresser é só mais um novo ramo que surge do interior de uma grande árvore. Trocando em miúdos, uma categoria nova da prática homossexual. Mas, calma, é bom deixar claro que todo crossdresser não é necessariamente homossexual. Uma boa parte apenas se transveste de mulher para alimentar um fetiche particular. Outros encaram a coisa com mais profundidade, assumindo uma essência feminina 24 horas, como é o meu caso em que carrego inteiramente dentro de mim, uma alma feminina e adoro me relacionar amorosamente com homens.
O universo crossdressers não é um universo complexo como se acredita ser. É um mundo maravilhoso. Vai de cada um entender-se por dentro e saber o que exatamente busca. Acho que está a na hora das novelinhas globais ou não, deixaram de usar essas falsas maquiagens e falsos blushes ao retratarem o crossdresser, e começassem a abordar este tema com mais respeito e dignidade. Já que mexeram no formigueiro equivocadamente...


Manaus, 19 de dezembro de 2009

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

DICAS DA MARCINHA PARA UMA BOA E PRAZEROSA LEITURA


“Perto do Coração Selvagem” – Clarice Lispector (1925-1977)

“Perto do Coração Selvagem” é o livro de estréia dessa escritora maravilhosa. Ela o escreveu quanto tinha dezoito pra dezenove anos de idade.
A escrita de Clarice Lispector é uma escrita introspectiva. Situa-se numa confluências de paradigmas em que a narradora nos envolve e nos põe em tensão com seus personagens e tramas, do inicio ao fim. Penso que, depois de Jane Austen, (escritora americana do século XVII autora dos livros “Razão e Sensibilidade” e “Orgulho e Preconceito) , nenhuma outra escritora descreveu com tanta maestria e lirismo as angustias, os anseios, as alegrias e tristezas que habitam no interior feminino. Ler Clarice é se ler interiormente. É se descobrir por dentro. Daí a razão do livro assumir tanta importância assim.

Outro escritor que conhece bem a alma feminina e a enaltece com todo seu vigor lírico, é o escritor Uruguaio Eduardo Galeano. “Mulheres” é um livro cheio de breves narrativas históricas e heróicas protagonizadas somente por mulheres que sofreram opressão e exploração na América Latina. O livro é uma doce homenagem às mulheres célebres e anônimas que compartilharam o dia-a-dia de nossa história.

“Trecho do livro Perto do Coração Selvagem

(...) “Novamente, no meio do raciocínio inútil, veio-lhe um cansaço, um sentimento de queda. Orar, orar. Ajoelhar-se diante de Deus e pedir. O quê? A absolvição? Uma palavra tão larga, tão cheia de sentidos. Não era culpada – ou era, de quê? Sabia que sim, porém, continuou com o pensamento – não era culpada, mas como gostaria de receber a absolvição. Sobre a testa, o dedo largo e gordo de Deus, abençoando-a como um bom pai, um pai feito de terra e de mundo, contendo tudo, tudo, sem deixar de possuir sem uma partícula sequer que mais tarde pudesse lhe dizer: sim, mas eu não lhe perdoei Cessaria então aquela acusação muda que todas as coisas aconchegavam contra ela...



“Tracey Hill era menina num povoado de Connecticut, e se divertia com diversões próprias de sua idade, como qualquer outro doce anjinho de Deus no estado de Connecticut ou em qualquer outro lugar deste planeta.
Um dia, junto a seus companheiros de escola, Tracey se pôs a atirar fósfotos acesos num formigueiro. Todos desfrutaram daquele sadio entretenimento infantil; Tracey, porém, ficou impressionada com uma coisa que os outros não viram, ou fizeram como se não vissem, mas que a deixou paralisada e deixou nela, para sempre, um sinal na memória: frente ao fogo, frente ao perigo, as formigas separavam-se em casais e assim de duas em duas, bem juntinhas, esperavam a morte.
Do livro “Mulheres” (Eduardo Galeano)

Essa é a minha dica. Uma boa leitura A todos!!